sábado, 27 de maio de 2017

As coordenadas esféricas e a lei da gravitação

Um ponto definido pelo vector \(\vec{\rho}=(x,y,z)\) é representado, em coordenadas esféricas, pelos parâmetros \(\left(r,\theta,\phi\right)\) de acordo com a transformação
\[
\left\lbrace
\begin{array}{l}
x=r\cos\theta\sin\phi\\
y=r\sin\theta\sin\phi\\
z=r\cos\phi
\end{array}
\right.
\]
O conjunto de equações \(\theta=const.\), \(\phi=const\) define uma curva. Definimos \(\vec{e}_r\) como sendo o vector unitário com a direcção da tangente à curva. Concluímos, portanto, que
\[
\vec{e}_r=\left(\cos\theta\sin\phi,\sin\theta\sin\phi,\cos\phi\right)
\]
Do mesmo modo, construímos os vectores unitários cuja direcção se encontra ao longo da tagente das curvas sobre as quais variam apenas \(\theta\) e \(\phi\), isto é,
\[
\begin{array}
\vec{e}_\theta=\left(-\sin\theta,\cos\theta,0\right)\\
\left(\cos\theta\cos\phi,\sin\theta\cos\phi,-\sin\phi\right)
\end{array}
\]
Se a posição de um corpo for representada pelo vector \(\vec{\rho}=(x,y,z)\), no novo sistema de coordenadas será representada por \(\vec{\rho}=r\vec{e}_r\). A sua velocidade será dada por
\[
\frac{d\vec{\rho}}{dt}=\frac{dr}{dt}\vec{e}_r+r\frac{d\theta}{dt}\sin\phi\vec{e}_\theta+r\frac{d\phi}{dt}\vec{e}_\phi
\]
e a sua aceleração será, portanto,
\[
\begin{array}{l}
\frac{d^2\vec{\rho}}{dt^2} & = & \left\lbrack \frac{d^2r}{dt^2}-r\sin\phi\left(\frac{d\theta}{dt}\right)^2+r\left(\frac{d\phi}{dt}\right)^2\right\rbrack\vec{e}_r+\\
 & & + \left\lbrack \frac{d}{dt}\left(r\frac{d\theta}{dt}\sin\phi\right)+r\sin\phi\frac{dr}{dt}\frac{d\theta}{dt}+r\cos\phi\frac{d\theta}{dt}\frac{d\phi}{dt}\right\rbrack\vec{e}_\theta+\\
 & & + \left\lbrack \frac{d}{dt}\left(r\frac{d\phi}{dt}\right)+\frac{dr}{dt}\frac{d\phi}{dt}-r\left(\frac{d\theta}{dt}\right)^2\sin\phi\cos\phi\right\rbrack\vec{e}_\phi
\end{array}
\]
Se \(\vec{F}_r\), \(\vec{F}_\theta\) e \(\vec{F}_\phi\) forem as componentes da resultante das forças que actuam na partícula segundo as direcções dos vectores \(\vec{e}_r\), \(\vec{e}_\theta\) e \(\vec{e}_\phi\) então as equações do movimento baseadas na segunda lei de Newton escrevem-se como
\[
\left\lbrace
\begin{array}{l}
\frac{d^2r}{dt^2}-r\sin\phi\left(\frac{d\theta}{dt}\right)^2+r\left(\frac{d\phi}{dt}\right)^2=\frac{\vec{F}_r}{m}\\
\frac{d}{dt}\left(r\frac{d\theta}{dt}\sin\phi\right)+r\sin\phi\frac{dr}{dt}\frac{d\theta}{dt}+r\cos\phi\frac{d\theta}{dt}\frac{d\phi}{dt}=\frac{\vec{F}_\theta}{m}\\
\frac{d}{dt}\left(r\frac{d\phi}{dt}\right)+\frac{dr}{dt}\frac{d\phi}{dt}-r\left(\frac{d\theta}{dt}\right)^2\sin\phi\cos\phi=\frac{\vec{F}_\phi}{m}
\end{array}
\right.
\]
Iremos agora determinar a forma da resultante das forças que actuam num corpo que se move de acordo com as leis de Kepler. Estas são:
1) O corpo move-se ao longo de uma elipse.
2) O raio vector definido por um dos focos da elipse e o corpo varre áreas iguais em intervalos de tempo iguais.
3) O quadrado do período de revolução do movimento é directamente proporcional ao cubo do semi-eixo maior da elipse.


Começamos por observar que, sendo \(\phi=\frac{\pi}{2}\) constante, então o sistema de equações diferenciais reduz-se a
\[
\left\lbrace
\begin{array}{l}
\frac{d^2r}{dt^2}-r\left(\frac{d\theta}{dt}\right)^2=\frac{\vec{F}_r}{m}\\
r\frac{d^2\theta}{dt^2}+2\frac{dr}{dt}\frac{d\theta}{dt}=\frac{\vec{F}_\theta}{m}\\
0=\frac{\vec{F}_\phi}{m}
\end{array}
\right.
\]
Analisemos agora a segunda lei. Ora, a área de uma superfície \(S\) é dada pelo integral
\[
A=\iint\limits_{S}dxdy=\iint\limits_{S}rdrd\theta
\]
Quando superfície \(S\) é dada por uma equação da forma \(r=r(\theta)\), o integral duplo reduz-se a
\[
A=\frac{1}{2}\int_{\theta_0}^{\theta}{r^2d\theta}
\]
seguindo-se
\[
\frac{dA}{dt}=\frac{1}{2}r^2\frac{d\theta}{dt}=const.
\]
e, consequentemente,
\[
\frac{d^2A}{dt^2}=r\frac{dr}{dt}\frac{d\theta}{dt}+\frac{r^2}{2}\frac{d^2\theta}{dt^2}=0
\]
Vimos imediatamente que
\[
\left\lbrace
\begin{array}{l}
\frac{d^2r}{dt^2}-r\left(\frac{d\theta}{dt}\right)^2=\frac{\vec{F}_r}{m}\\
0=\frac{\vec{F}_\theta}{m}\\
0=\frac{\vec{F}_\phi}{m}
\end{array}
\right.
\]
A segunda lei só pode ser satisfeita se a força exercida no corpo for central, isto é, possuir a direcção do raio vector. Para obtermos a forma da força radial, começamos por determinar a equação da elipse que possui o foco na origem em coordenadas esféricas, supondo que esta se encontra no plano horizontal \(\phi=\frac{\pi}{2}\). A distância do foco que se encontra na origem ao corpo é igual a \(r\). O teorema de Carnot aplicado ao triângulo formado pelos focos e o corpo permite-nos concluir que a distância do segundo corpo ao foco é igual a
\[
\sqrt{r^2+4f^2+4fr\cos\theta}
\]
sendo \(2f\) a distância interfocal. Como a elipse é o lugar geométrico de todos os pontos cuja soma das distâncias destes a ambos os focos é igual ao comprimento do eixo maior, temos
\[
r+\sqrt{r^2+4f^2+4fr\cos\theta}=2a
\]
onde \(a\) corresponde ao comprimento do semi-eixo maior. Se subtrairmos \(r\) a cada um dos membros, quadrarmos e simplificarmos, obtemos
\[r\left(a+f\cos\theta\right)=a^2-f^2\]
Se \(e=\frac{f}{a}\) for a excentricidade, temos
\[r=\frac{a\left(1-e^2\right)}{1+e\cos\theta}\]
Se utilizarmos a abreviação \(\psi=a\left(1-e^2\right)\), a equação da elipse escreve-se como
\[r=\frac{\psi}{1+e\cos\theta}\]
ou
\[
e\cos\theta=\frac{\psi}{r}-1
\]
Derivamos a equação em ordem ao parâmetro \(t\), vindo
\[
\frac{dr}{dt}=\frac{\psi e\sin\theta}{\left(1+e\cos\theta\right)^2}=\frac{r^2}{\psi}e\sin\theta\frac{d\theta}{dt}
\]
A segunda derivada fica, por seu turno, na forma
\[
\frac{d^2r}{dt^2}=\frac{r}{\psi}e\sin\theta\left(r\frac{d^2\theta}{dt^2}+2\frac{dr}{dt}\frac{d\theta}{dt}\right)+r\left(\frac{d\theta}{dt}\right)^2-\frac{r^2}{\psi}\left(\frac{d\theta}{dt}\right)^2
\]
Como, de acordo com a segunda lei temos \(\frac{d\theta}{dt}=\frac{k}{r^2}\), com \(k\) constante, então
\[
\frac{d^2r}{dt^2}-r\left(\frac{d\theta}{dt}\right)^2=-\frac{k^2}{\psi}\frac{1}{r^2}
\]
isto é,
\[
\vec{F}_r=-\frac{k^2}{\psi}\frac{1}{r^2}
\]
Trata-se da famosa lei da gravitação.
A consequência da terceira lei, apesar de subtil, é deveras interessante. Segue-se a seguinte equação diferencial da lei das áreas:
\[\frac{d\theta}{dt}=\frac{k}{r^2}=\frac{k}{\psi^2}\left(1+e\cos\theta\right)^2\]
Sendo uma equação separável, podemos escrever
\[
\int_0^{2\pi}{\frac{1}{2}\frac{\psi^2}{\left(1+e\cos\theta\right)^2}d\theta}=\frac{kT}{2}
\]
onde \(T\) representa o período da órbita. O integrando na equação anterior constitui uma função racional de funções trigonométricas e pode ser resolvido com o auxílio dos métodos habituais. No entanto, representando a área de uma elipse, o seu valor é dado por \(\pi ab\) e a equação reduz-se a
\[
\pi ab=\frac{kT}{2}
\]
ou
\[
\pi a\sqrt{a^2-f^2}=\frac{kT}{2}
\]
Se quadrarmos, ficamos com
\[
\pi^2a^2\left(1-e^2\right)=\frac{k^2T^2}{4}
\]
isto é,
\[
\pi^2a^3\psi=\frac{k^2T^2}{4}
\]
Concluímos desta forma que
\[
\psi=\frac{k^2}{4\pi^2}\frac{T^2}{a^3}
\]
e, portanto, a constante \(\psi\) que figura na forma da força central não depende dos parâmetros da órbita.

segunda-feira, 1 de maio de 2017

Dois artigos em metafísica

Encontrei dois artigos de Euler sobre metafísica que achei interessantes:

  1. Ensaio sobre uma demonstração metafísica do princípio geral do equilíbrio
  2. Reflexões sobre o espaço e o tempo
É interessante comparar as conclusões deste segundo artigo com as ideias modernas da teoria da relatividade.

Digressões em óptica geométrica

Nestes últimos tempos tenho escrito aqui alguns artigos sobre óptica geométrica. Decidi, portanto, à semelhança do que já tenho feito em textos no âmbito da matemática, compilar as ideias em ficheiros e actualizá-los ao longo do tempo ao invés de as individualizar.
Coloquei no OneDrive um documento que intitulei por Digressões em óptica geométrica e que serve esse propósito.