sábado, 29 de janeiro de 2011

As equações de Euler-Lagrange

Numa mensagem anterior, apresentei uma possível dedução das leis de Snell-Descartes a partir do princípio de Fermat dos tempos mínimos. Aí, apenas foram considerados dois meios onde a velocidade da luz é diferente separados por uma superfície.
Imaginemos, agora, que ao invés de estarmos na presença de um meio com dois índices de refracção diferentes, deparamo-nos com um meio cujo índice de refracção depende da posição, isto é, \(n(x,y)\). Considerando dois pontos \(A\) e \(B\) nesse meio, pretendemos determinar a forma da trajectória do raio de luz que parte de \(A\) e chega a \(B\).
Suponhamos que essa trajectória é parametrizada por \(t\), partindo de \(A\) em \(t_0\) e chegando a \(B\) em \(t_1\). As coordenadas da posição do raio de luz são dadas por \(x(t)\) e \(y(t)\). Ora, por um lado, \(v=c/n\) e, por outro, \(\nu=ds/dτ\), onde (\nu\) é a velocidade de propagação, \(s\) é o comprimento do arco da curva e \(\tau\) representa o tempo. Daqui vem que
\[\tau=\frac{1}{c}\int_{t_0}^{t_1}n\left(x,y \right )ds=\frac{1}{c}\int_{t_0}^{t_1}n\left(x,y \right )\sqrt{\left(\frac{dx}{dt} \right )^2+\left(\frac{dy}{dt} \right )^2}dt\]
Pretendemos, então, determinar a trajectória que torna mínimo (de facto, um extremo) o integral
\[I\left[x(t),y(t) \right ]=\int_{t_0}^{t_1}L\left(x(t),y(t),\frac{dx}{dt},\frac{dy}{dt}\right)dt\]
Para determinar o mínimo do integral, perturbamos ligeiramente a trajectória, de modo a que esta continue a ter os pontos \(A\) e \(B\) como extremos. Consideramos a trajectória perturbada dada pelas coordenadas \(x(t)+\delta x(t)\) e \(y(t)+\delta y(t)\), onde \(\delta x\left(t_0\right)=\delta x\left(t_1\right)=\delta y\left(t_0\right)=\delta y\left(t_1\right)=0\). O integral perturbado fica
\[\begin{array}{l}I\left[x(t)+\delta_x(t),y(t)+\delta_y(t) \right ]=\\ =\int_{t_0}^{t_1}L\left(x(t)+\delta_x(t),y(t)+\delta_y(t),\frac{dx}{dt}+\frac{d\delta_x}{dt},\frac{dy}{dt}+\frac{d\delta_y}{dt}\right)dt\end{array}\]
Aplicamos a expansão em série de Taylor ao integrando, fazendo \(\dot{f}=df/dt\),
\[L\left(x+\delta_x,y+\delta_y,\dot{x}+\dot{\delta_x},\dot{y}+\dot{\delta_y} \right )=L\left(x,y,\dot{x},\dot{y} \right )+\frac{\partial L}{\partial x}\delta_x+\frac{\partial L}{\partial y}\delta_y+\frac{\partial L}{\partial \dot{x}}\dot{\delta_x}+\\+\frac{\partial L}{\partial \dot{y}}\dot{\delta_y}\]
Substituímos no integral para obtermos a respectiva variação
\[\begin{array}{l}I\left[x(t)+\delta_x(t),y(t)+\delta_y(t) \right ]-I\left[x(t),y(t)\right]=\\ =\int_{t_0}^{t_1}\left(\frac{\partial L}{\partial x}\delta_x+\frac{\partial L}{\partial y}\delta_y+\frac{\partial L}{\partial \dot{x}}\dot{\delta_x}+\frac{\partial L}{\partial \dot{y}}\dot{\delta_y} \right )\end{array}\]
Aplicamos o método de integração por partes aos integrais que envolvem a derivada da variação (tendo em conta que a função de variação se anula nos extremos). Por exemplo,
\[\int_{t_o}^{t_1}\frac{\partial L}{\partial\dot{x}}\dot{\delta_x}dt=\left.\frac{\partial L}{\partial\dot{x}} \delta_x\right|_{t_0}^{t_1}-\int_{t_0}^{t_1}\frac{d}{dt}\left(\frac{\partial L}{\partial\dot{x}}\right)\delta_xdt\]
Mas como \(\delta_x\left(t_0\right)=\delta_x\left(t_1\right)=0\), temos
\[\int_{t_o}^{t_1}\frac{\partial L}{\partial\dot{x}}\dot{\delta_x}dt=-\int_{t_0}^{t_1}\frac{d}{dt}\left(\frac{\partial L}{\partial\dot{x}}\right)\delta_xdt\]
Então, a variação que procuramos é dada por
\[\delta I=\int_{t_0}^{t_1}\left\lbrack\frac{\partial L}{\partial x}-\frac{d}{dt}\left(\frac{\partial L}{\partial\dot{x}} \right )\right\rbrack\delta_x dt + \int_{t_0}^{t_1}\left\lbrack\frac{\partial L}{\partial y}-\frac{d}{dt}\left(\frac{\partial L}{\partial\dot{y}} \right )\right\rbrack\delta_y dt\]
Como procuramos uma trajectória que seja um extremo, uma pequena perturbação a esta trajectória não vai originar uma alteração sensível do integral. Então, procuramos a trajectória para a qual temos \(\delta I=0\). Como as funções \(\delta_x\) e \(\delta_y\) são arbitrárias, a variação do integral é nula se se verificar o sistema de equações
\[\left\lbrace\begin{matrix} \frac{d}{dt}\left(\frac{\partial L}{\partial\dot{x}} \right )-\frac{\partial L}{\partial x}=0\\ \frac{d}{dt}\left(\frac{\partial L}{\partial\dot{y}} \right )-\frac{\partial L}{\partial y}=0 \end{matrix}\right.\]
Estas, são conhecidas como as equações de Euler-Lagrange.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

O princípio de Fermat e a lei de Snell-Descartes

A luz não se propaga à mesma velocidade no seio dos meios materiais. A velocidade da luz no vazio vale \(c=299792458 m/s\), velocidade essa que é tomada aproximadamente como sendo \(300000 Km/s\). A sua velocidade na água vale sensivelmente \(\nu=124000 Km/s\), menos de metade da velocidade da luz no vazio. À quantidade \(n=c/\nu\), razão entre a velocidade da luz no vazio e a sua velocidade no meio dá-se a designação de índice de refracção do meio. O índice de refracção dum meio pode depender da cor da luz (luzes de cores diferentes movem-se com velocidades diferentes – este fenómeno permite decompor a luz em várias cores). Dizemos que a luz é monocromática quando não pode ser decomposta em outras cores.
Suponhamos que um raio monocromático é emitido do ponto \(A\) num meio com índice de refracção \(n_1\) e observado no ponto \(B\) cujo índice de refracção do meio envolvente é \(n_2\) como ilustrado na figura:
Consideramos que a fronteira entre os dois meios é a recta \(r\). Os pontos \(A'\) e \(B'\) correspondem às projecções ortogonais dos pontos \(A\) e \(B\) respectivamente sobre a fronteira entre os meios.
O princípio de Fermat lê-se: o caminho percorrido por um raio de luz entre dois pontos é tal que o tempo de percurso é o menor possível.
Ora, como \(t=d/\nu\), onde \(d\) é o espaço percorrido, \(\nu\) é a velocidade da luz e \(t\) é o tempo que a luz demora a percorrer a distância \(d\), se o raio se propaga sempre no mesmo meio, facilmente constatamos que o caminho mais curto corresponde ao segmento de recta que une os dois pontos (uma vez que a velocidade é constante e a recta constitui o caminho mais curto entre dois pontos no plano). Deste modo, o raio de luz propagar-se-á em linha recta em cada um dos meios, alterando a direcção na fronteira. Consideramos que o raio atinge a fronteira no ponto \(C\) a uma distância \(x\) do ponto \(A'\). Pelo teorema de Pitágoras, vemos que
\[\overline{AC}=\sqrt{x^2+h_1^2}\\ \overline{BC}=\sqrt{\left(s-x\right)^2+h_2^2}\]
O tempo que a luz leva a ir de \(A\) até \(B\) é dado por
\[t(x)=\frac{\sqrt{x^2+h_1^2}}{c}n_1+\frac{\sqrt{\left(s-x\right)^2+h_2^2}}{c}n_2\]
Sabemos que se esta função tem um mínimo então a sua derivada nesse ponto é nula. Derivamos então a função e igualamos a zero, vindo
\[\frac{dt}{dx}=\frac{x}{c\sqrt{x^2+h_1^2}}n_1+\frac{x-s}{c\sqrt{\left(s-x\right)^2+h_2^2}}n_2=0\]
Mas, sendo \(\theta_i\) e \(theta_r\) respectivamente os ângulos de incidência e refracção, temos, de acordo com a definição geométrica das razões trigonométricas,
\[\sin\theta_i=\frac{x}{\sqrt{x^2+h_1^2}}\\ \sin\theta_r=\frac{s-x}{\sqrt{\left( s-x\right)^2+h_2^2}}\]
Então, do princípio de Fermat resulta a famigerada lei de Snell-Descartes, nomeadamente
\[n_1\sin\theta_i=n_2\sin\theta_r\]
Será o ponto \(C\) para o qual é satisfeita a lei de Snell-Descartes um mínimo para a função \(t(x)\)? Mais uma vez nos recorremos das ideias de análise. Calculemos a segunda derivada que nos permite indicar o valor da concavidade da função em cada ponto. Assim,
\[\frac{d^2t}{dx^2}=\frac{1}{c}\left\lbrack\frac{h_1^2}{\left(x^2+h_1^2\right)^{\frac{3}{2}}}n_1+\frac{h_2^2}{\left(\left(s-x\right)^2+h_2^2\right)^{\frac{3}{2}}}n_2\right\rbrack\]
Trata-se de uma função que toma valores sempre superiores ou iguais a zero. Deste modo, a concavidade da função \(t(x)\) é sempre voltada para cima e o ponto \(C\) é um mínimo global.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

O princípio das velocidades virtuais

A Estática é a ciência que estuda o equilíbrio das forças. Entendamos por força como a causa, seja qual for a sua natureza, que imprime ou tende a imprimir movimento a qualquer corpo onde esteja aplicada. Num estado de equilíbrio, a força não produz qualquer tipo de movimento mas pode ser medida por intermédio do efeito que produziria caso não fosse contrariada. As forças aplicadas num corpo podem ser representadas, do ponto de vista geométrico, por vectores, isto é, possuem direcção, intensidade e ponto de aplicação.
Todos os princípios utilizados na resolução de problemas de equilíbrio podem ser resumidos a três essenciais:
  • Princípio da Alavanca: princípio idealizado por Arquimedes segundo o qual, uma alavanca carregada com dois pesos está em equilíbrio se forem colocados em ambos os lados de um ponto de apoio e as suas distâncias a esse ponto estiverem em proporção com a respectiva magnitude.

    A alavanca da figura encontra-se em equilíbrio se as magnitudes dos pesos são tais que \(P_1d_1=P_2d_2\).
    O apoio da alavanca será carregado com uma força cuja magnitude é igual à soma dos pesos aplicados.
  • Princípio da Composição do Movimento: princípio segundo o qual o movimento resultante da aplicação de duas forças a um corpo e em simultâneo é equivalente ao movimento resultante da aplicação das duas forças em separado.

    De acordo com este princípio, duas forças aplicadas num mesmo ponto são equivalentes a uma resultante igual à soma dessas forças de acordo com a regra do paralelogramo, como ilustrado na figura. Esta ideia parece ter surgido pela primeira vez nos trabalhos de Galileu onde este observa que um corpo que se mova com duas velocidades uniformes, uma horizontal e outra vertical, tem uma velocidade única que pode ser representada pela hipotenusa do triângulo rectângulo cujos catetos são as duas velocidades uniformes.
  • Princípio das Velocidades Virtuais: designamos por velocidade virtual a velocidade que um corpo em equilíbrio calha em adquirir caso o equilíbrio seja corrompido. Trata-se da velocidade que os corpos adquirirão no primeiro instante do seu movimento sem quebrar as restrições do sistema. O princípio das velocidades virtuais permite afirmar que as forças estão em equilíbrio quando estão em razão inversa das respectivas velocidades virtuais estimadas segundo a direcção destas forças.

Os dois primeiros princípios podem facilmente ser obtidos a partir do princípio das velocidades virtuais. Atentemos na alavanca da figura. Consideramos um deslocamento, sem mover o ponto de apoio, com magnitude \(dx\) na direcção de \(\vec{P}_1\). Uma vez que o ponto de apoio é considerado fixo, apenas se pode dar uma rotação, resultando num deslocamento \(dx'\) na direcção de \(\vec{P}_1\) cuja magnitude depende de \(dx\) e vale
\[dx'=\frac{d_2}{d_1}dx\]
O princípio das velocidades virtuais permite afirmar que
\[P_1dx=P_2dx'=P_2\frac{d_2}{d_1}dx\]
Daqui resulta imediatamente a relação associada ao princípio da alavanca. Se permitirmos um movimento segundo a direcção vertical, tendo em atenção a força aplicada sobre o apoio, imediatamente obtemos o resultado pretendido.
Quanto ao segundo princípio, a ideia subjacente é um pouco mais intrincada. Suponhamos, em primeiro lugar, que duas forças com a mesma magnitude estão aplicadas num ponto segundo a mesma direcção mas em sentidos opostos. Se considerarmos um deslocamento virtual segundo essa direcção, o princípio das velocidades virtuais permite dizer que o sistema se encontra em equilíbrio. Suponhamos agora que estamos na presença de um sistema de três forças \(\vec{F}\), \(\vec{F}_1\) e \(\vec{F}\)_2 como ilustrado na figura seguinte.

Consideremos as forças \(\vec{F}_1\) e \(\vec{F}_2\) perpendiculares entre si. Suponhamos que o sistema está restrito a mover-se segundo uma rotação em torno do ponto \(C\) de forma que exista apenas os deslocamento \(dx\) e \(dx'\) segundo as direcções de \(\vec{F}_1\) e \(\vec{F}_2\). Podemos pensar que a força \(\vec{F}_2\) poderá ser compensada por uma força de ligação qualquer (e o deslocamento considerado não tem componente segundo a direcção dessa força). Se fizermos \(\overline{CP}=r\), obtemos \(\overline{CQ}=r\cos\theta\). Daqui resulta imediatamente que
\[\delta\theta=\frac{dx}{r}=\frac{dx'}{r\cos\theta}\]
Aplicando o princípios das velocidades virtuais para este caso obtemos
\[F_1dx=\left(F\cos\theta\right) dx\]
De acordo com este resultado, o sistema está em equilíbrio se \(F_1=F\cos\theta\). Com um raciocínio semelhante, podemos provar que \(F_2=F\cos\left(\frac{\pi}{2}-\theta\right)=F\sin\theta\). Como já vimos que o sistema se encontra em equilíbrio caso \(F=F'\), uma vez que as forças têm a mesma magnitude e direcção mas sentidos opostos, podemos afirmar que \(\vec{F}'\) é equivalente à aplicação das forças \(\vec{F}_1\) e \(\vec{F}_2\) e que pode ser obtida aquando da aplicação da regra do paralelogramo como pretendíamos. Para mostrar que a regra do paralelogramo é válida para um sistema de duas forças não perpendiculares, é suficiente ter em mente que cada uma dessas forças pode ser decomposta num sistema de duas forças perpendiculares, de acordo com o resultado anterior.
Muitos outros princípios que são utilizados em estática podem ser deduzidos com base no princípio das velocidades virtuais, o que demonstra a sua veracidade e generalidade.


Mais detalhes no monumental Mechanique Analytique de Lagrange.