segunda-feira, 30 de maio de 2011

Ilustrações da teoria dinâmica dos gases (por J. Maxwell)

Uma tradução do artigo de Maxwell onde este apresenta a dedução da lei de distribuição das velocidades e que, porventura, terá sido o ponto de partida para o desenvolvimento da teoria por parte de Botzmann.


Ilustrações da teoria dinâmica dos gases


A introdução é mais ou menos como aqui segue:

Muitas das propriedades da matéria, especialmente quando esta se encontra no estado gasoso, podem ser deduzidas a partir da hipótese segundo a qual as suas diminutas partes se encontram animadas de um rápido movimento cuja velocidade aumenta com a temperatura de tal modo que a exacta natureza deste movimento se torna objecto de uma curiosidade racional. Daniel Bernoulli, Herapath, Joule, Krönig, Clausius, etc. mostraram que as relações entre pressão, temperatura e densidade num gás perfeito podem ser explicadas supondo que as partículas se movem com velocidade uniforme em linhas rectas, colidindo com as paredes do recipiente e assim produzindo pressão. Não é necessário supor que cada partícula viaje longas distâncias na mesma linha recta; pois o efeito de produzir pressão será o mesmo caso as partículas colidam entre si; de modo que a linha recta percorrida poderá ser muito curta. Clausius determinou o livre percurso médio em termos da distância média percorrida pelas partículas, e a distância entre os centros das duas partículas quando se dá a colisão. De presente, não temos maneira de verificar cada uma destas distâncias; mas determinados fenómenos, como a fricção interna dos gases, a condução de calor ao longo de um gás, e a difusão de um gás sobre outro, parecem indicar a possibilidade de determinar rigorosamente o comprimento médio do caminho que uma partícula percorre entre duas colisões. De modo a estabelecer os fundamentos de tais investigações em princípios mecânicos, demonstrarei que as leis do movimento de um número indefinido de esferas pequenas, duras e perfeitamente elásticas actuando entre si apenas durante o impacto.
Se se encontrar uma correspondência entre as propriedades de um tal sistema de corpos e as do gás, uma importante analogia física será estabelecida, a qual poderá levar a um conhecimento mais apurado das propriedades da matéria. Se as experiências sobre os gases forem inconsistentes com as hipóteses destas proposições, então a nossa teoria, apesar de ser consistente no seu conteúdo, mostra-se incapaz de explicar os fenómenos afins aos gases. Em qualquer um dos casos, é necessário estudar as consequências das hipóteses.
Ao invés de afirmar que as partículas são duras, esféricas e elásticas, podemos, se assim o desejarmos, dizer que as partículas são centros de força, para os quais a acção é desprezável excepto para pequenas distâncias, quando aparecem de súbito como forças repulsivas de grande intensidade. É evidente que cada uma das suposições leva aos mesmos resultados. Para evitar a repetição de longas frases sobre estas forças repulsivas, deverei prosseguir com a suposição de que se trata de corpos esféricos perfeitamente elásticos. Se supusermos que as moléculas agregadas que se movem juntas tenham uma superfície limítrofe que não seja esférica, então o movimento de rotação do sistema armazenará uma porção da vis viva, como foi mostrado por Clausius, e desta forma teremos de considerar que o calor específico será maior que no caso da hipótese mais simples.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

A ciência e as restrições políticas não éticas

Apresento aqui um pequeno excerto da parte final capítulo "O modelo da gota, reacções nucleares e cisão" do livro Física Atómica sobre um aspecto político e militar desta disciplina.

(...) O aspecto característico do explosivo nuclear consiste em que é necessária uma acumulação suficiente de material cindível, acima de uma massa «crítica»; para uma massa sub-crítica, o número de neutrões que se escapam através da superfície é excessivamente grande para permitir o arranque da reacção em cadeia. Portanto a bomba [atómica] é formada por, pelo menos, duas massas sub-críticas que têm que juntar-se num lapso de tempo extremamente curto. A detonação que se dá neste momento de contacto é devida aos neutrões em liberdade que estão sempre presentes. A maneira como se efectua esta união brusca das partes da bomba é um dos principais segredos técnicos que envolvem todo o domínio das reacções nucleares. A importância desta nova arma para a política de poder tem tido a mais nefasta influência na liberdade da investigação científica e na comunicação das ideias, e o emprego da bomba na destruição em massa de cidades inteiras e da sua população civil é uma consequência ainda mais lamentável de descobertas originariamente feitas só com o fim de alargar e aprofundar o conhecimento. Serão necessários grandes esforços para se reconstruir a estrutura internacional de uma ciência livre, sem peias nem restrições políticas e militares, como meio de progressão e não de destruição. (...)

sábado, 7 de maio de 2011

Sobre a Teoria dos Quanta (por Henri Poincaré)

Traduzi o artigo Sur la Théorie des Quanta de Poincaré em Sobre a Teoria dos Quanta (seguir ligação para a tradução), como aparece nos Comptes Rendus de l'Académie des Sciences, 1911. Um outro artigo com o mesmo título, estendendo a análise deste, publicou-o no Jounal de Physique théorique et appliquée, série 5, 1912.
Segue a introdução do primeiro artigo:


Sabemos que M. Planck foi levado pelo estudo da radiação do corpo negro a enunciar uma hipótese conhecida pelo nome de teoria dos quanta. De acordo com esta teoria, os elementos dos quais se deve a radiação dos sólidos incandescentes e que se assemelham a osciladores hertzianos, só podem ganhar ou perder energia por saltos bruscos de modo que a energia de um tal oscilador será sempre múltipla de uma quantidade fixa caracterizando o comprimento de onda deste oscilador e designada por quantum; esta energia será então sempre igual a um número inteiro de quanta.

É fútil fazer notar o quanto tal concepção se afasta das ideias habitualmente aceites porque as equações da física cessam de ser descritas pelas equações diferenciais. É natural que sejamos levados a escapar-nos a esta consequência, sem falar dum rol de dificuldades de detalhe e que nos questionemos se não existirá um meio de explicar doutro modo os factos. Investiguei se não poderemos chegar à lei de Planck por outras hipóteses e cheguei a um resultado negativo.

domingo, 1 de maio de 2011

Sobre uma generalização do conceito de curvatura de Riemann e espaços com torção (nota de Cartan apresentada por Borel)

Numa nota recente mostrei, num universo de Einstein com um ds2 dado o tensor de energia atracado a cada elemento de volume desse universo pode ser definido geometricamente; este é o tensor que, igualado a zero, nos fornece as leis da gravitação num espaço desprovido de matéria. A definição que dei faz com que a curvatura da universo dependa de uma certa rotação associada com todo o contorno infinitesimal fechado e esta rotação foi introduzida na base do conceito de transporte paralelo de Levi-Civita. Este último conceito por si, apesar de ter sido originalmente apresentado com recurso a considerações geométricas, é deveras difícil definir com precisão sem qualquer cálculo. Mas é possível, assim me parece, mostrar a sua maior importância, generalizando mesmo o conceito de espaço; ao mesmo tempo nos conduzirá a imagens geométricas de universos materiais fisicamente mais ricos que o nosso, pelo menos como o é tipicamente considerado; também nos elucidará sobre a verdadeira razão das leis fundamentais que governam o tensor da energia (lei da simetria, lei da conservação).
Restrinjamo-nos  ao caso de três dimensões cuja generalização à quarta dimensão é trivial. Imagine-se um espaço que, numa vizinhança de qualquer ponto, possui todas as características do espaço Euclideano. Os habitantes deste espaço saberão, por exemplo, como localizar pontos infinitamente próximos de um ponto A por intermédio dum sistema de três eixos ortogonal tendo este ponto A como origem; mas suporemos ainda que eles estão munidos com uma lei que os permita orientar, relativamente ao sistema centrado no ponto A, todos os triplos coordenados tendo a sua origem em A' próximo de A; em particular, indicar-lhes-á um sentido para dizerem se duas direcções, uma vinda de A e outra vinda de A', são paralelas. Por último, tal espaço será definido pela lei da orientação mútua (de natureza Euclideana) de dois sistemas de três eixos cujas origens sejam infinitamente próximas.
Um espaço do tipo precedente não está completamente definido pelo seu ds2. O ds2, de facto, determina apenas a parte da operação que permite a passagem dum sistema com origem em A para um sistema infinitamente próximo com origem em A', nomeadamente uma translação A→A'; adicionalmente, como sabemos, fixando ds2, uma rotação pode ser definida de acordo com uma lei arbitrária qualquer.
Com isto em mente, quando descrevemos um contorno infinitesimal fechado começando no ponto A e retornando ao mesmo ponto, a divergência entre o espaço considerado e o espaço Euclideano mostrar-se-á do seguinte modo. Apliquemos um triplo coordenado a qualquer ponto M do contorno; para passar do triplo aplicado em M para o triplo aplicado no ponto infinitamente próximo M', precisamos de fazer uma translação infinitesimal e rotação cujas componentes conhecemos relativamente ao triplo móvel com origem em M.
Imagine-se que esta colecção de deslocamentos infinitesimais é efectuada num espaço Euclideano começando num sistema de três eixos (triplo) inicial arbitrariamente escolhido. Quando o ponto M do espaço não Euclideano que começa em A e lá retorna após ter descrito um caminho fechado, no espaço Euclideano, não recuperaremos o triplo inicial, mas para o obtermos será necessário proceder a um deslocamento complementar cujas componentes serão bem definidas relativamente ao triplo inicial. Este deslocamento complementar é independente da lei segundo a qual atribuímos um triplo a cada ponto M do contorno.
Sumariamente, associadas com cada caminho infinitesimal fechado do espaço em consideração, estão uma translação infinitesimal e rotação (da ordem da magnitude da superfície da área limitada pelo caminho) e que expressa a divergência entre entre este espaço e o espaço Euclideano. A rotação pode ser representada por um vector com origem em A e a translação por um par. Podemos então provar a seguinte lei de conservação: se considerarmos um volume infinitesimal, os vectores e os pares associados com os diferentes elementos da superfície que limita o volume estão em equilíbrio.
Então temos uma imagem geométrica dum meio material contínuo em equilíbrio, unicamente sob a acção de forças elásticas, mas numa situação em que estas forças seriam expressas em cada elemento de superfície, não apenas por uma força única (tensão ou pressão), mas por um par (torsão).
Retornemos ao caso onde somente nos é dado ds2. Um cálculo simples mostra que, entre todas as leis de orientação mútua de dois triplos com origens infinitamente próximas compatível com o ds2 dado, só existe um para o qual a translação associada com um caminho infinitesimal fechado arbitrário é nula. É esta lei que leva ao conceito de deslocamento paralelo de Levi-Civita. O par em questão desaparece e é por isso que o tensor elástico satisfaz a lei de simetria.
No caso geral quando existe uma translação associada com um caminho infinitesimal fechado, podemos dizer que o espaço é diferente do Euclideano em dois aspectos: 1) por uma curvatura no sentido de Riemann, que resulta numa rotação; 2) por uma torção que resulta numa translação.
Num espaço com curvatura e torsão, o método dos triplos móveis, como no espaço Euclideano, permite-nos construir uma teoria de curvatura de curvas (e até mesmo de superfícies). Uma linha recta será caracterizada pela propriedade de ter curvatura (relativa) nula em todos os seus pontos; isto é, de preservar localmente a mesma direcção. Uma linha recta não é mais necessariamente o caminho mais curto de um ponto para outro; é-o num espaço desprovido de torsão; excepcionalmente também o pode ser em determinados espaços com torsão especiais.
Um exemplo muito simples deste último caso é o seguinte. Imaginemos um espaço S que corresponde ponto-a-ponto com o espaço Euclideano E e a correspondência preserva distâncias. A diferença entre os dois espaços será como se segue: dois sistemas ortogonais originados em dois pontos infinitamente próximos A e A' de E serão paralelos quando os sistemas de E podem resultar um do outro por intermédio de uma translação helicoidal a uma dada taxa e num determinado sentido (sentido directo, por exemplo) com a linha que une as suas origens como eixos. As linhas de S, então, correspondem a linhas de E: continuam a ser geodésicas. O espaço S assim definido admite um grupo de transformações a seis parâmetros; será o nosso espaço usual visto pelos observadores cujas percepções serão distorcidas. Mecanicamente iria corresponder a um meio com pressão constante e torsão constante.
Acrescentarei as considerações precedentes, as quais, do ponto de vista da mecânica, estão relacionadas com o belo trabalho dos srs. E. e F. Cosserat sobre a acção Euclideana, também estão relacionados com a teoria dos espaços generalizados de H. Weyl e podem também ser estendidos.